Eram pequenas as mãos que apertavam com força a minha camisola e
várias as lágrimas que a molhavam. Eu segurava-a contra mim, querendo
mostrar que estava ali a protegê-la, que tudo ia ficar bem e que nada
lhe faria mal.
Como eu se eu pudesse ter a certeza disso! Como
se a minha raiva e ódio a cada um deles fosse o suficiente para pará-los
quando eu estava longe! Era mentira e no fundo, ela sabia disso. Mas eu
tinha que a tranquilizar. Mesmo eu não estando tranquilo.
A
raiva aumentava a cada segundo, como se fosse injectada no meu corpo. Eu
podia arrebentar com aquela podridão num abrir e fechar de olhos. Eu
estava cego de raiva.
Passei a mão em sua cabeça, querendo
acalmá-la. Isso apenas me enfureceu mais. O seu cabelo… o seu cabelo
normalmente bem cuidado, fino, brilhante, como seda… Curto. Estragado.
Vandalizado. Fechei os olhos e respirei fundo, buscando calma dentro de
mim.
– Calma anjo… eu estou aqui agora. Está tudo bem. – Era o que eu conseguia dizer.
Ela
agarrou-me com mais força ainda. Como eu ia conseguir acalmá-la?
Caroline era uma menina alegre, que vivia a sorrir, correr por aí,
saltar… raramente ela chorava. E agora… agora eu não sabia o que fazer
mais para parar a dor nela.
***
Era cedo, ainda de manhã e
eu levava-a à escola. Eu ia deixar bem claro que ela não estava
sozinha, e que qualquer que fosse o ignorante que lhe tocasse novamente
com um dedo estava em sérios problemas.
Na tarde anterior, eu
levara-a a uma cabeleireira e pedira para que lhe cortassem o cabelo, de
modo a ajustá-lo à madeixa mais curta que ela tinha. Na verdade, ela
estava linda assim. Mas nada a fazia sorrir. E isso… era o pior para
mim.
Nada iria apagar o que as suas… colegas lhe fizeram. Uma
criança não esquece com facilidade o que lhe fazem de mal. Especialmente
quando se trata de alguém em quem elas pensavam confiar e de quem
gostam.
Caroline nunca me falara sobre problemas graves na
escola. Ela falava das suas amigas como uma menina normal. Por vezes
queixava-se de algumas que pegavam com ela… sempre achei uma coisa
normal da infância. O que ela me contava era normal, algo que todos
devemos passar. Mas quando eu lhe perguntei há quanto tempo aquilo mais
sério durava, ela soluçou e escondeu o rosto. Há muito, deduzi.
Aquilo
não ficaria assim. Eu continuava cego de raiva que crescia a cada passo
que eu dava, vendo a escola cada vez mais perto. Ela segurava a minha
mão com uma força que pensei que não tivesse.
Ela estava
assustada, em pânico. Eu bufei, tentando encontrar um poço de calma e
bom senso. Lembrei-me que eram apenas crianças. Maldosas, nojentas, mas
eram crianças.
Antes de entrarmos, eu parei e abaixei-me a seu lado, olhando-a.
–
Não… não precisas de ter medo, anjo. Eu estou aqui. Tu sabes disso. –
Coloquei a minha mão na sua pequena face. – Ninguém te vai mais tocar
com um dedo. Aqui o teu ursão não vai deixar…
Eu pude notar um ligeiro sorriso nos seus lábios.
–
Eu amo-te, anjo. E tu estás linda, linda. Aliás… - Toquei o seu nariz. –
Eu vou ter que ter cuidado com os garanhões por aí… - Deixei que o meu
tom de voz ficasse sério.
Ela olhou para mim e então sorriu. Eu puxei-a para mim e abracei-a. Tão pequena, tão frágil…
–
Vá. Vamos entrar. Hoje quando chegares a casa vais ser a minha
professora. – Olhei-a de soslaio, na brincadeira. – Que me dizes? –
Brincava com ela enquanto a conduzia para dentro da escola.
O
seu corpo ficou tenso quando entramos e eu peguei nela, colocando-a nos
meus ombros. Isso era hábito entre nós, ela adorava estar mais alta do
que toda a gente. E naquele momento, eu senti-a a rir.
– Sim! E eu vou pôr-te de castigo. – Ela disse num tom superior de brincadeira que me fez rir.
– Ai é? Vais dar-me com a régua nas mãos? Que feio, sra. Professora.
– Vou. E vou obrigar-te a ficares de joelhos virado para a parede.
– E não tem piedade do seu aluno, sra. Professora? Já imaginou um urso grande como eu de joelhos tempos infinitos?
Ela deu uma gargalhada que me fez ter coragem para enfrentar o mundo. Era tão bom ouvi-la rir. E como eu sentia falta disso.
Chegamos à sala dela e eu coloquei-a no chão. Antes de entrar, abaixei-me a seu lado e sussurrei no seu ouvido:
– Sê forte, anjo.
Ela
agarrou o meu pescoço num abraço apertado. Eu sorri e deixei-a
sentir-se segura. A porta abriu-se ao nosso lado e a professora dela
olhou-nos. Eu levantei-me e agarrando a mão de Caroline, entrei na sala,
encarando cada ser minúsculo que estava lá.
Bando de
ignorantes, futuros adultos que não mereceriam a vida que iriam ter. O
silêncio instalou-se naquela sala. Todos nos olhavam, curiosos. Eu fui
até a sua mesa e ajudei-a a tirar o material, sentindo a raiva ferver
dentro de mim.
Caroline tremia e o pânico estava instalado no seu olhar.
– Estás bem? – Perguntei-lhe.
– Estou… - Respondeu com a voz fraca. Eu sabia que não.
Foi então que um risinho estúpido ecoou na sala. Oh. Isso não era bom.
– O que fizeste com o teu cabelo Caroline? – Uma voz irritante perguntou.
– Está giro. – Outra comentou.
E risos. Muitos risos.
Sabem
o que é ver tudo vermelho? Eu também não sabia. Mas descobri. A raiva
tomou conta de mim. Eu não pensei mais no bom senso. Levantei-me e ri
irónico. Eu conhecia-me e quando aquilo acontecia…
Andei até à
frente da sala e empurrei a mesa da primeira miúda nojenta que me
apareceu à frente, fazendo-a gritar. Eu não media mais o que fazia. Eu
ia acabar com aquela sala, eu transformara-me num bicho no momento em
que atacaram a coisa mais preciosa da minha vida. Isso era um erro. Um
mau erro.
– O que é que o senhor está a fazer?! – A professora perguntou, apavorada.
Um
extintor estava na parede. Eu não pensei. Fui como um louco até ele e
atirei-o contra a porta da sala. O vidro do meio partiu-se, causando um
grande estrondo. As expressões dos parasitas eram agora de puro medo,
como deviam ser sempre.
Fechei os olhos. Eu queria continuar.
Partir tudo o resto. Mostrar o quanto Caroline estava protegida e o
quanto erravam ao fazer-lhe o que faziam. Então o seu rosto pequeno e
angelical veio à minha mente.
Eu parei e olhei o meu anjo. Ela
estava fixada em mim e eu via no seu olhar… orgulho? Porque é que ela
estava feliz com a minha atitude? Era errado. Eu estava a agir como um
vândalo. Eu não estava orgulhoso de mim. Mais uma vez, eu tinha perdido o
controlo de mim mesmo.
Com vergonha de mim mesmo, eu saí da
sala. Eu tinha fracassado de novo. Eu não era um orgulho para a minha
irmã. Eu estava a agir como tinha prometido não agir mais. Eu tinha
falhado…
Fui parado pelos seguranças. Claro. Eu já sabia o que ia acontecer a seguir. Estava habituado.
***
Bufei pela 17ª vez nos últimos 5 minutos e 42 segundos. Era um hábito meu contar tudo o que fazia quando estava ali.
– Tyler Hawkins? … Ok, é para já. – Ouvi a voz do polícia.
Ouvi
também o conhecido por mim som das chaves. Olhei pelas grades e vi o
polícia gordo que me olhava com desaprovação a aproximar-se. Seguido
pelo homem que devia estar morto. Charles Hawkins. O senhor que se diz
meu pai.
De novo naquele dia, a raiva ferveu em mim. O que ele queria mais de mim? Porque ele tinha pago a minha liberdade, outra vez?
– Olá filho. – A sua voz nojenta chegou aos meus ouvidos, transformando-se em ódio puro dentro de mim.
Apertei as grades com força. Aquilo… aquilo também não ia dar bom resultado.
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